Advogado especialista em Direito Eleitoral analisa os efeitos das novas regras políticas estabelecidas a partir do julgamento do STF nesta semana.
Por Marcos Alexandre
O Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu na última quinta-feira um divisor de águas na relação dos políticos com os partidos. Justamente ao fortalecer o princípio da fidelidade partidária, historicamente ignorado pelos políticos brasileiros.
Por se tratar de uma realidade nova para a classe política nacional, existem ainda muitas dúvidas sobre as diretrizes estipuladas pelo STF. Nesta entrevista, o advogado Erick Pereira, especialista em Direito Eleitoral, esclarece algumas delas, ao mesmo tempo em que faz alertas aos que ainda tencionam mudar de partido.
Um desses alertas é de que, no momento, os rigores da nova norma atingem menos os vereadores e mais os deputados federais e estaduais, já que os primeiros estão em final de mandato e, assim, teriam um prejuízo menor, caso viessem a perder suas cadeiras por infidelidade partidária. Ao contrário dos primeiros, que estão em início de mandato.
Erick Pereira também adverte que um mandatário eventualmente expulso da legenda a partir de agora perderá automaticamente as condições de disputar as eleições do ano que vem, já que não terá mais tempo hábil para se filiar a outra legenda. O prazo de filiações para quem vai concorrer no próximo pleito acabou na última sexta-feira.
No Rio Grande do Norte, há casos de políticos que correm o risco de ser expulsos e nutrem planos eleitorais para 2008, como a deputada estadual Gesane Marinho (PDT) e os vereadores Aquino Neto e Sargento Siqueira, estes do PV.
Nominuto — Após a decisão do STF sobre fidelidade partidária, como fica a situação dos infiéis a partir de agora?
Erick Pereira — O que nós tivemos com essa decisão do STF é que aquela previsibilidade de cassações imediatas, que nós vimos nos votos dos ministros Marco Aurélio e Carlos Ayres Britto, não aconteceu. Então, não vai existir cassação imediata como se vinha anunciando. O que se tem é o fortalecimento do instituto da fidelidade partidária, o que é bom e salutar porque favorece a democracia. Mas nós vimos o Supremo legislar de forma positiva, ou seja, ele substituiu a função do Congresso Nacional, que vem se mantendo ao longo desses anos sem querer fazer a reforma política. O Supremo foi e judicializou a reforma política, dando o pontapé inicial para que os políticos possam ver que, se eles continuarem parados, outros temas poderão ser debatidos. Em termos pragmáticos, vai se ter apenas um efeito muito forte para os deputados, cuja eleição será daqui a três anos. Mas, para os vereadores, que terão eleição agora em 2008, não haverá esse efeito pragmático imediato.
NM — Isso que dizer que seria recomendável aos vereadores interessados em mudar de partido que o fizessem, já que não deve haver tempo para que um processo como esse transite em julgado antes da eleição de 2008?
EP — O que o vereador tem que pensar é no erro que ele vai ter de alguma discussão sobre o seu mandato — que é exatamente dentro desse período, com a aprovação da resolução pelo TSE, com o encaminhamento do direito de defesa que deverá ter toda a instrução processual — ou se irá se preocupar com quatro anos de mandato naquele partido indesejado. Como a fidelidade partidária exige uma ampla instrução processual para garantir esse direito de defesa, eu acho que o vereador tem que pensar no que é melhor para ele, se é uma discussão durante o ano, ou se é passar quatro anos vinculado a um partido com o qual ele não está tendo uma afinidade ou que demonstra que não terá sinal de afinidade no futuro após a eleição.
NM — E quanto aos deputados? Há deputados estaduais que manifestam a disposição de mudar de partido, como o presidente da Assembléia Legislativa, Robinson Faria. Para estes, o senhor não recomenda a mudança?
EP — Eu acho que a prudência nisso aí é salutar, no sentido de que, como existem três anos e meio de mandato, não é bom que eles arrisquem o mandato fazendo uma mudança de partido. Como eu vinha dizendo na terça-feira passada, esse instituto da fidelidade veio para ficar, de toda sorte ele iria acontecer. Só não se esperava que ele viesse com uma incidência tão forte a ponto do Supremo, utilizando-se de uma prerrogativa e de uma competência que não são dele, viesse a dizer que há a perda de mandato. Não foi a pior das hipóteses porque ele não cassou mandatos imediatamente, mas nesse processo de instrumentalização da defesa ele vai gerar essa perda de mandatos inevitavelmente, porque o STF deixou isso muito claro, em que pesem os três votos divergentes dos ministros Joaquim Barbosa, Eros Grau e (Ricardo) Lewandowski, que acompanhavam o parecer do Ministério Público dizendo que não existe sanção para cassar mandato eletivo. A prudência recomenda que aqueles que são deputados detentores de mandato estadual ou federal permaneçam nos partidos, encontrem outra solução política para aquela transferência ou aquela participação do partido que eles estavam desejando se destituir, ou seja, fazer essa passagem aproximando o partido. Mas o ideal é que eles permaneçam porque essa decisão do Supremo vem no sentido de satisfazer o anseio da opinião pública, ela não teve uma análise eminentemente técnica. Se a decisão do Supremo tivesse sido eminentemente técnica, evidentemente que teríamos essa linha dos ministros Eros Grau, Lewandowski e, sobretudo, de Joaquim Barbosa, que foi quem melhor esclareceu esse aspecto técnico e esse aspecto social. Como houve essa visão de dar uma satisfação à sociedade, que anseia por essa reforma política, essa decisão do Supremo vem muito mais em cunho sociológico do que eminentemente de um cunho técnico.
NM — Por se tratar de uma decisão nova, ainda há algumas dúvidas sobre ela. Por exemplo: um mandatário que saiu de um partido A após 27 de março e ficou sem partido, ou partiu para um partido B, e agora retorna para esse mesmo partido A do qual havia saído, está sujeito a perder a sua cadeira no Legislativo?
EP — Existem aí as seguintes hipóteses: nessa hipótese que você está narrando, de ter se desfiliado após o dia 27 de março, e pretender voltar a se filiar nesse mesmo partido do qual ele se desfiliou, resta saber se o partido vai aceitar essa nova filiação ou se o partido vai optar em ficar com a preservação dessa vaga. O que caracteriza a infidelidade não é a nova filiação. O que caracteriza é a desfiliação. Quem se desfiliou antes do dia 27, independentemente de ter ficado sem partido ou ter ido para outro partido, ficou muito claro que não haverá essa incidência para a perda do mandato. Quem se desfiliou após o dia 27 de março, sofrerá todo esse processo de ampla defesa para poder justificar se ele se desfiliou por perseguição política ou se ele se desfiliou por divergência programática sobre conteúdo estatutário.
NM — Considerando-se que o partido aceite o infiel de volta. Isso seria legal?
EP — Aí, não perderá (o mandato), porque a legitimidade para reclamar o mandato não é individual, do candidato eleito ou do suplente, mas sim do próprio partido. Se o partido demonstra o interesse de agir com relação a quem se desfiliou aceitando-o de volta, você terá aí uma ausência dos requisitos de constituição do processo.
NM — E nos casos em que houver expulsão do partido? O parlamentar pode se filiar a outra legenda?
EP — Falando em tese, a expulsão de um parlamentar de um partido depois de 5 de outubro vai gerar para ele a impossibilidade intransponível de disputar o pleito eleitoral de 2008, porque filiação, domicílio e alistamento são requisitos indispensáveis para a participação no pleito que se aproxima. Esse princípio da anterioridade, de um ano antes da eleição, alcançar os requisitos de domicílio eleitoral, de filiação e de alistamento tem prazos objetivos. Se você não tiver, um ano antes da eleição, esses requisitos, você não tem como disputar o pleito. Então se você vier a ser expulso de um partido e perde a sua filiação menos de um ano antes da eleição, não tem como obter o seu registro na Justiça Eleitoral quando chegar o momento das candidaturas serem apresentadas.
NM — Quem se elege com uma votação superior à do coeficiente eleitoral está imune à fidelidade partidária?
EP — É uma das teses de defesa que podem ser levantadas para que não haja perda de mandato. O que se discute hoje, se o mandato é do partido, é por causa da vinculação ao coeficiente eleitoral. Se o político que foi eleito consegue demonstrar que não precisou desse coeficiente, é uma das teses que podem ser argüidas, em que pese minha opinião pessoal de que só existem duas justificativas que ensejam o afastamento da perda de mandato: a perseguição e a questão programática-estatutária. Não existe outro motivo que justifique essa saída porque senão começaríamos a relativizar a fidelidade partidária.
NM — A chamada judicialização da política é nociva para o sistema partidário do país?
EP — Eu penso que isso é uma fragilização das instituições. Em que pesem algumas opiniões contrárias, acho que o que fortalece as instituições é quando elas exercem as suas prerrogativas e competências na plenitude do que a Constituição garante. Quando você vê uma instituição fazendo aquilo que uma outra não fez, você tem na verdade uma fragilização de uma instituição e um poder extra para outra. Acho que não podemos deixar a judicialização chegar a esse ponto, senão vão existir temas em que a soberania da vontade popular, que escolheu os mandatários daquele Poder, vai ficar desvirtuada, porque teremos um processo de interferência do Judiciário em temas que deveriam ser de amplo debate da sociedade e do Congresso Nacional, e não decidido numa sessão de julgamento. Quando assistia a essa sessão do Supremo, eu parecia estar na Suprema Corte americana, vendo tantos conceitos e filosofias, quando, na verdade, a realidade brasileira tem peculiaridades às quais não é permitido aplicarmos Conrad Hesse e outros filósofos italianos, alemães e americanos. A realidade desses doutrinadores estrangeiros não se aplica à realidade brasileira. O partido tem que ser forte? Tem. É preciso haver fidelidade partidária? É. Mas isso tem que ser dentro de um conjunto, em que se discuta voto distrital, misto ou puro, voto obrigatório ou facultativo, passando a ter um contexto de uma reforma estruturante e não pontual.
NM — O problema é que a própria classe política nunca se mobiliza no sentido de fazer essa reforma.
EP — A reforma política está sendo posta desde o governo de João Goulart, vem sendo feita fatiadamente. Nunca houve uma reforma estruturante e eu, particularmente, não acredito que haja essa reforma porque ela sempre vai ferir interesses dos parlamentares. E quando você fere esses interesses, passa a ter uma procrastinação da reforma. Passa a ter sempre uma reforma pontual, fatiada, com toda eleição tendo uma regra nova. Foi essa omissão do Congresso que gerou a posição do Supremo.
FONTE: Portal Nominuto.com
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